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sexta-feira, 17 de junho de 2016

Ecos dos Possíveis


Aos 16 anos, a morte de meu pai definiu irremediavelmente minha entrada na vida adulta e mostrou-me o real significado da palavra "fim". Tive que guardar meus sonhos para mais tarde e, por um longo período, vaguei pela vida indagando por que havia sido impedido de experimentar da própria vida no tempo certo. Nos percursos para dentro de mim mesmo eu caminhava celebrando os começos e temendo os finais.

Mas quem disse que há um tempo certo para experimentar a vida? Ela, em toda sua nuance e beleza, desfiou embaraços e urdiduras para tramar sentimentos de pertencimento e aconchego onde antes, em mim, só existia medo e revolta. Hoje, o livre arbítrio da maturidade me autoriza a esboçar e celebrar finais possíveis. Sinal de quem começa a entender que a única constante da vida é sua impermanência.

É essa certeza que me autoriza a proclamar que está na hora de colocar um ponto final nesse blog. De celebrar a conclusão desse espaço que foi capaz de guardar os afetos que atravessaram minha realidade nos últimos nove anos. Gestos que meus olhos perceberam, sorrisos não ensaiados, dores que não fui capaz de nomear, pensamentos fugidios, reflexos soltos, momentos espontâneos e fugazes que me conduziram a preciosas descobertas. Instantes possíveis capazes de me ajudar na escritura de mim mesmo.

Me traduzi em cada postagem, nos mínimos detalhes, em cada chance de exercitar o ato consciente de me possuir em frases curtas e imagens sem foco. Tentativas de guardar o que fui, o que sou e o que nunca mais serei.

Não tenho certeza se esse é um texto sobre os labirintos que me desenharam até aqui ou uma réstia de luz daquilo que me convoca daqui pra frente. Para tanto, eu sei que falta um pouco de ironia, um pouco de brincadeira, de poesia e sagacidade. Na verdade, o último texto deste blog é só pra dizer que há um desejo de mim, um querer-me, um apaixonamento, mas à partir da novidade. Uma vontade de tornar-me um novo de mim e, assim, me abrir mais no reconhecimento de minhas fragilidades. E, nesse sentido, ser e não parecer que sou.

Como bem disse, uma amiga querida: "É preciso dar vazão aos preciosos recomeços, reencontros de pedaços guardados, esquecidos ou dos nunca imaginados, pois sou uma casa habitada pelos ecos dos possíveis".

Foto: Wolney Fernandes

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

ATLAS DAS NUVENS* - Projeto Literário


Todo ano eu invento jeitos de movimentar minha estante e, de uns anos pra cá, comecei a prestar atenção nas escolhas que eu faço na hora de pegar um livro para ler. Para além do prazer da leitura, tenho entendido esse movimento também como um ato político. Pequeno - eu sei! - mas ainda assim, pautado no desejo de conhecer autores/as novos/as e no reconhecimento de que literatura boa se faz no mundo inteiro. E antes que essa posição tão particular assuma algum tom prescritivo, vale lembrar que o que importa mesmo é ter o bom senso de saber o que faz sentido para cada leitor/a. Nossas escolhas são movimentos tão subjetivos que enxergar a multiplicidade dessa movimentação só fortalece essa rede complexa tecida em torno do ato de ler.

No meu caso, desejo prestar mais atenção na questão do gênero, da etnia, da religião e do estilo, entendendo que estes pontos podem escamotear fronteiras e situações hegemônicas. Quero me aventurar por estilos pouco explorados para sair da minha zona de conforto e, assim, entrar em contato com outras formas de ser e estar no mundo.

Foi pensando nisso que nasceu o projeto chamado "Atlas da Nuvens" e cujo objetivo é ler mais obras provenientes de regiões cuja literatura eu desconheço. Comecei esse movimento em 2015 lançando um olhar panorâmico sobre livros escritos fora do eixo EUA-Europa. Li alguns e adquiri alguns títulos que pretendo ler agora, em 2016, com uma certa regularidade.

Na tentativa de organizar melhor o projeto, escolhi doze obras que serão lidas no decorrer de 2016 e fiz uma lista atrelando cada um dos livros a um mês do ano. Para minha surpresa, ao falar desse projeto no Snapchat [Se você ainda não me segue por lá, meu usuário é wolneyf] algumas pessoas se animaram a embarcar comigo nessa aventura cujo traçado só tem o céu por limite.

A ideia é movimentar a biblioteca, sem que se precise sair comprando livros desvairadamente. Desse modo, se você se interessar em participar dessa cartografia celeste e não possui as obras da lista abaixo, não se prenda à elas, mas entenda-as como portas de acesso para um novo estilo de escrita ou para o reconhecimento de autorias diferentes daquelas que você está acostumado/a. Tenho certeza de que todo mundo possui, na estante, um livro de algum autor/a cuja nacionalidade lhe soa como uma novidade. Simbora?

Atlas da Nuvens 2016
Janeiro - O Mesmo Mar [Amós Oz] - Israel
Fevereiro - Deixa Comigo [Mario Levrero - Uruguai
Março - Como o Soldado Conserta o Gramofone [Sasa Stanisic] - Bósnia
Abril - Lendo Lolita em Teerã [Azar Nafisi] - Irã
Maio - Mapas [Nuruddin Farah] - Somália
Junho - O Obsceno Pássaro da Noite [José Donoso] - Chile
Julho - Paradiso [José Lezama Lima] - Cuba
Agosto - Abril Despedaçado [Ismail Kadaré] - Albânia
Setembro - Verão [J. M. Coetzee] - África do Sul
Outubro - Istambul [Orhan Pamuk] - Turquia
Novembro - O Edifício Yacubian [Alaa Al Aswany] - Egito
Dezembro - Sombras Marcadas [Kamila Shamsie] - Paquistão

Algumas pessoas queridas entraram em contato com a escrita do autor escolhido para o mês de janeiro e já deram seus feedbacks em textos cujos links eu vou deixar listados abaixo.

A Arita Souza escreveu sobre "O mesmo mar" do Amóz Oz no blog "Livretos e pensamentos".
A Cláudia Oliveira, do blog "A mulher que ama livros"leu "A Terceira Condição" do mesmo autor.

(*) O título do projeto foi retirado do livro do David Mitchell
Imagem: Wolney Fernandes