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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O Escolhido Foi Você


A Miranda July eu conheci nesse vídeo incrível sobre como lidar com a procrastinação.
Pesquisei e vi que ela é uma cineasta fora do grande circuito de Hollywood e que também é performer e escreve livros.

"O Escolhido foi Você" nasceu enquanto Miranda sofria um bloqueio criativo para acabar o roteiro de seu segundo longa metragem. Curiosa com as histórias das pessoas que colocavam coisas à venda em um jornalzinho de anúncios em Los Angeles, ela decide ir até essas pessoas para entrevistá-las.

Começa então uma aventura que nem ela tinha ideia de como terminaria, já que se depara com histórias incríveis de pessoas que estão vendendo de Ursinhos Carinhosos a jaquetas, passando por girinos e álbuns de fotos, etc.

Acompanhá-la nas visitas à essas pessoas comuns que se revelam um emaranhado de universos complexos faz com a gente entenda porque é preciso "peneirar a vida para saber onde colocar nosso carinho e atenção".

Das dez entrevistas ilustradas por fotografias - feitas durante as conversas - emergem reflexões delicadas da artista compondo um relato muito íntimo sobre mudança de olhar e modos de fazer a vida soar com outros timbres além dos já conhecidos.

O modo de escrever da Miranda compõe uma rede onde ela consegue atar humor, ironias, relações e arcos que amarram o pensamento de maneira invejável (principalmente pra quem, como eu, está no meio da escrita de uma tese). Um bom exemplo disso está no diálogo que ela escreve para o roteiro do filme e nos é apresentado no meio do livro:

"Sophie - Daqui a cinco anos vamos ter quarenta anos
Jason - Quarenta é quase cinquenta, e depois de cinquenta o resto é só troco miúdo.
Sophie - Troco miúdo?
Jason - Com ele não dá pra comprar nada que a gente quer"

Depois, lá no final do livro, após a primeira conversa com o último entrevistado, diante dos 80 anos de Joe, um senhor aposentado que faz cartões artesanais para a esposa, Miranda reflete:

"Pensei nos seus sessenta e dois anos de cartões ternos e obscenos, e alguma coisa se desenrolou dentro de mim. Talvez eu tivesse calculado mal o que restava da minha vida. Talvez não fosse troco miúdo. Ou quem sabe a coisa toda fosse troco miúdo do começo ao fim - muitos, muitos pequenos momentos, cada feriado, cada Dia dos Namorados, cada ano insuportavelmente repetitivo e ainda assim de alguma maneira sempre novo. Eram só todos aqueles dias, mantidos juntos apenas pela memória frágil de uma pessoa - ou, se tivermos sorte, de duas. E por causa disso, dessa falta de significado ou de valor inerente, era admirável. Como a mais intrincada e radical obra de arte, o tipo de arte que eu estava sempre tentando fazer. Aquilo se atrevia a não significar nada e com isso exigia tudo da gente."

Enfim, creio que nada mais preciso ser dito, né? Leitura recomendada!
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Livro: O Escolhido foi Você [4/5]
Autora: Miranda July
Editora Companhia das Letras

Foto: Wolney Fernandes

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