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sexta-feira, 31 de maio de 2013

Aquário de bem querer


Não há medida para um bem querer, mesmo que ele caiba em um aquário amarelo e que seja possível de se receber pelo correio.

"Sabe, vida dentro de vida e dentro dessa vida uma outra vida?"

Sei sim, afinal de contas, bem querer também se guarda em embrulhos de papel celofane, em latas de sorvete e até em escamas de peixe. O que eu não sei é dizer das intensidades que cada gesto desse parece conter. Talvez só os silêncios pronunciados por olhos marejados de lágrimas consigam explicar.

Então pra quê escrever? Acho que é tentativa de nadar pelo rio que esse aquário fez transbordar por aqui. As intensidades são, elas mesmas, sentimentos desmedidos que exalam cheiros, toques, vontades e sorrisos. Sempre fui de intensidades e, embora minhas estabilidades tenham me orientado para um suposto equilíbrio, ando prestando atenção naquilo que me faz vibrar em outra frequência.

Por isso a necessidade do registro. Por isso, escrevo.

Talvez por confrontar a morte tão cedo, venha a ansiedade para dizer tudo. Talvez, por ter sido obrigado a desbravar meus próprios caminhos, venha a vontade de deixar uma espécie de mapa. Talvez por ter esperado demais, venha essa pressa de querer abrir a caixa só pra sentir a textura do bem-querer entre os dedos e saber que cor ele tem.

Dentro do aquário amarelo, o bem querer parece ter sido desenhado pelos meus traços, cabendo só a mim reconhecê-lo. Por ele, sou capaz de assimilar toda beleza que reside no gesto de alguém que me espera enquanto eu fotografo flores.

[...]

Diante do conteúdo desse aquário amarelo, "sou menino-passarinho com vontade de voar". Com o melhor sorriso no rosto, fecho os olhos e aguardo, neste lento aprendizado que é abrir os dedos e deixar que o vento do mar chegue e, todo o resto, frutifique.

Foto: Wolney Fernandes

domingo, 19 de maio de 2013

Bagunças de um futuro inquieto


Eu até tento perder o meu medo de errar. Mas não tem jeito, vira e mexe ele sempre reaparece no meu bolso. Mexe e vira ele está sempre no meu encalço. Sim, eu sei que o ônus em assumir as responsabilidades por minhas escolhas é todo meu, mas eu sou um frouxo, sabe? Se as escolhas feitas não me levaram ao horizonte imaginado por mim há seis anos atrás, eu tendo a espalhar a culpa por aí com medo de que, reunida em meu peito, essa mesma culpa me sufoque em inércias inomináveis.

Não gosto de me sentar sozinho no banco dos réus. Preciso de cúmplices. Há de ter um bando de culpados que, ardilosamente, arquitetaram a bagunça que virou minha vida. "É hora de fazer faxina!" - alguém me aconselhou e o desaforo que engoli diante dessa indicação eu vomito aqui: Só se for faxina definitiva, sabe? Sempre achei que quando a gente arruma demais, não sobra espaço para o inesperado... mas quer saber? Às favas com o inesperado! Tô cansado de faxinar o presente para o futuro (abusado!) desarrumar tudo em seguida.

É uma merda entender que a incerteza é a única constante da vida. Parece que não há saída. Mesmo assim, quero poder programar viagens para o próximo sábado ou para daqui a seis meses sem ter que fazer malabarismos para dar conta delas. Não quero me surpreender comigo mesmo, só quero de volta os planos para fazer esse futuro se aquietar diante de minhas arrumações. E guloso que sou, também quero planos para guardar na manga. Um monte deles! Todos engomadinhos e traçados com régua paralela.

Foto: Wolney Fernandes

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Transbordamentos


Tenho receio dos embrutecimentos. Ainda desejo a possibilidade da lágrima provocada por um filme. Tenho medo de ficar monocromático e não sentir falta das cores, dos cheiros, da música, dos gritos... Medo grande de caber em mim mesmo e impedir os transbordamentos.

Prefiro entender que os dias são tão delicados e plurais, que a beleza é fácil de compreender, que a chuva e o fogo, o sublime e o grotesco, tudo isso cabe em mim. E que os derramamentos disso tudo se cumpram sem minha guarda constante.

Vez em quando desejo uma equação que solucione os meus dias, mas na maioria deles, vago em busca de beijos de língua, de pessoas e imagens que provoquem a minha escala Richter, uma possibilidade de perfume, um pedaço de futuro, uma carta... quem sabe?

Imagem de Joe Webb

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Diagnóstico


Enquanto esperava pela consulta no oftalmologista, conjurei diagnósticos possíveis para os sorrisos que tem tomado meus olhos nas últimas semanas: cataratas de insanidade, miopia passageira, astigmatismo que embaralha distâncias, aumento da pressão ocular e cardíaca... cegueira?

O que veio em seguida foi promessa de mar: "Você tem uma visão ótima!". Suspirei atravessado por certa decepção. "Não, doutor! Me diga que há algo errado para que eu possa cuidar enquanto há tempo". Não seria loucura demais tantos sorrisos trocados por dias e madrugadas a fio? Na certa eu estava enxergando tudo distorcido.

"Nem de óculos você precisa!" - concluiu.

Saí do consultório decidido a procurar um outro profissional, mas havia um mar tão lindo refletindo o fim do dia que, de súbito, fui tomado por um espírito aventureiro. É outra estação. O que pode dar errado sob a atmosfera de tanto bem-querer?

Não há nada de errado com minhas vistas. Foi o médico quem atestou. De todo modo, há sempre a possibilidade de contar com o sol, mojito na mão, desenhos na areia e óculos escuros. Mesmo com a visão embaralhada pela pupila dilatada, caminhei tão levemente que negligenciei a vontade de ouvir a opinião de outro profissional a respeito.

Aproveitei para comprar filtro solar, tirar as bermudas da gaveta e prometi conchas para mim mesmo!

Imagem capturada aqui.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O Abismo Prateado


"Num se machuca mais não!""

[Imagem e frase do filme O Abismo Prateado]

Contracorrente


Preciso mandar à "puta que pariu" aquela vaga impressão de que eu poderia ter me dedicado mais quando algo na vida não soar conforme meus planos. Não é excesso de confiança e nem negligência. É cansaço mesmo!

"Eu que não me sento
no trono de um apartamento
com a boca escancarada 
cheia de dentes
esperando a morte chegar"

Não é de hoje que nado na contracorrente daquilo que estava traçado para o meu futuro. Desde a saída da minha cidade natal até o traçado de uma tatuagem que carrego comigo exigiram uma resiliência absurda e pequenos respiros [e suspiros] para me manter são nesse mergulho para águas mais profundas.

Mesmo assim, vez por outra, ainda me cobro posicionamentos, planificações, planos para daqui 5 anos, relacionamento estável, financiamentos para trocar de carro e uma noite com oito horas de sono. Saco isso!

Talvez meus dias de Pollyanna surtada estejam terminando. Acreditar que tudo vai dar certo no final pelo nível do meu esforço - acima da média, diga-se de passagem -  não tem surtido efeito. Fica a impressão que é preciso um pouco mais de força para guinar a vida para onde ela deveria estar, mas ando sem forças para tanto. Ás vezes, até penso que aquele momento, o turning point, já passou. Então de que adianta tanta dedicação?

Preciso mesmo é dizer "foda-se!" ao invés de só pensar, ir mais ao cinema, viajar quando der na telha e sair às quintas à noite. Pena que ganhar na Mega Sena não seja uma alternativa válida.

Foto: Wolney Fernandes
Trecho da música "Ouro de Tolo" de Raul Seixas

terça-feira, 7 de maio de 2013

Saudades de mar


"Meus pensamentos são todos sensações"
[Alberto Caeiro]

Para embalar saudades de mar, coloquei meus sentidos aqui.

sábado, 4 de maio de 2013

Sobre moderações, limitações e instantes de felicidade


Moderar as exigências não é, necessariamente, contentar-se com pouco. É aprender a enxergar as limitações e, com isso, identificar o que me prende para esboçar o rumo necessário para que as coisas cheguem no seu devido lugar.

Tendo, nesse Maio tépido de atropelos e pequenas alegrias, sempre optar pela felicidade. O que não me impede de me descontrolar um pouco de vez em quando.

Sinto coragem. Sinto uma coragem tanta, daquelas de cair no vazio mesmo não sabendo se a corda vai suportar. E naqueles parcos segundos quando a corda traciona, sentir a sensação de flutuar.

Ter coragem também implica em deixar para trás, afinal, nessa coisa de viver também existe um componente de renúncia. Quero um mês brand new, aquela coisa bem Drummond. Nem que isso signifique sacrificar minha ilusão mais doce: seja para torná-la real ou para, finalmente, enterrá-la.

Imagem de Laurindo Feliciano.

Deslumbramentos de cabeceira


Na mesinha ao lado cama, há sempre três ou quatro livros que leio, alternadamente, segundo uma ordem ditada pelo caos da minha vontade que muda a cada adormecer. Os deslumbramentos das últimas semanas tem sido assim:


01. O Olho da Rua [Eliane Brum]
"É tão estranho", ela diz. "Eu passei a vida inteira batendo ponto, com horário pra tudo. Quando me aposentei, arranquei o relógio de pulso e joguei fora. Finalmente eu seria livre. Aí apareceu essa doença. Quando tive tempo, descobri que meu tempo tinha acabado".

02. A Vida Privada das Árvores [Alejandro Zambra]
Sabe-se que muito em breve Ernesto não voltará mais. Imagina-se desconcertada, e depois furiosa, e finalmente invadida por uma decisiva quietude. Tudo bem, era sem compromisso, como deve ser: ama-se para deixar-se de amar e se deixa de amar para começar a amar outros, ou para ficar sozinho, por um tempo ou para sempre. Esse é o dogma. O único dogma.

03. O Filho da Mãe [Bernardo Carvalho]
Nas montanhas, todo homem tem um kunak, um amigo estrangeiro que o salvará da morte e que ele também tem a obrigação de salvar. Nenhum homem será completo enquanto não encontrar o seu kunak. Só então poderá seguir o próprio caminho em paz, sabendo que existe no mundo alguém, como ele, com quem ele pode contar na vida e na morte. As quimeras morrem para que sobreviva o pacto dos que não podem contar nem com Deus nem com os anjos.

04. Toda Poesia [Paulo Leminski]
tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu

tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas

Foto: Wolney Fernandes