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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Outro jeito de ser feliz


Minha felicidade anda assim, sem muitos subterfúgios ou atalhos. Pela primeira vez, ela vem num envelope fácil, sem babados e descaminhos. Ela existe em olhos tão doces e permanece em sorrisos estratégicos, daqueles que desabrocham quando o telefone toca ou quando o braço enlaça o corpo no meio da noite.

Minha felicidade anda de um outro jeito. Sem perceber caminha com certa leveza. Entre encantos e estranhamentos, ela se mostra quase por instinto entre rugas estratégicas e um jeitinho meio cafajeste, meio sexy de superar as coisas com desejo, música, cinema e maturidade.

Dá vontade de fazer planos porque os dias seguem numa sucessão de [re]descobrimentos. Porque não há nada mais lindo do que felicidade misturada ao cotidiano, que desliza, entre altos e baixos, sem sobressaltos... a mostrar um jeito bom de caminhar.

Imagem capturada aqui.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Sempre alerta?


Enquanto as nuvens de chuva encobriam o último pedaço de céu azul, meninos e meninas se organizavam segundo a orientação do guia. O espaço do parque, tão vasto de possibilidades exploratórias, era demarcado em funções relacionadas a hierarquia daquele grupo de escoteiros.

Lobinhos, guias, pais e responsáveis eram orientados com  rigor sobre o local do lanche e a posição que deveriam ocupar no grupo. Em torno da bandeira, o respeito em forma de postura deveria ficar evidente enquanto dois dos escoteiros hasteavam a flâmula que fôra instalada provisoriamente em uma árvore do parque.

A cena parecia deslocada em tempo e espaço porque aquela dinâmica  de caráter tão institucional não deixava brechas para as deambulações e seus improvisos.

Os atrasadinhos, por terem burlado a precisão dos ponteiros, eram renegados ao final da equipe. Ofegantes, logo eram incorporados ao silêncio sistemático daquela cerimônia de sábado à tarde. Só o escoteiro sênior tinha o poder da fala.

Solenemente, aquele espaço de interação era transformado em espaço de patentes e filas demarcadas. Os pais exibiam, com orgulho, os filhos obedientes, alinhados e alinhavados por aquele poder cartesiano, um tanto quanto efêmero, de moldar a pessoa para ser boa o tempo inteiro.

Discursos bradados com veemência pareciam querer demarcar o amor pelo escotismo e se prolongariam tarde afora, imagino eu, não fosse a chuva que começou a cair naquele instante.

Não houve fila indiana e nem patentes que suportassem a imprecisão do temporal. "O salve-se quem e o que puder" diante da dinâmica da chuva, deixou à mostra toda a falácia daquele discurso desprovido de vivência. A bandeira, tão amada e respeitada, foi abandonada sem o menor constrangimento. Sozinha no meio do temporal, depois da debandada geral, parecia sinalizar a fragilidade daquele modelo de educação que não dá conta das intempéries e nem da complexidade do nosso tempo.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Dezessete de abril de 2012 - Terça


Ontem meu desejo fez brotar a lembrança desta imagem cinematográfica. Hoje eu li um poema da Ana Jácomo que ventilou novos sentidos à esta cena:

"Há algo em mim que não desaprende esse caminho.
Que segue, quando, aparentemente, eu paro. Que continua a luzir, mesmo quando eu tropeço nas minhas sombras.
Além dos meus tempos de muda. Algo que me mostra uma paz intensa e verdadeira.
Que não me deixa esquecer que continuo a ter asas, mesmo quando eu não voo..."

[Ana Jácomo]

Terminei de reproduzir o poema aqui e esta canção perfumou minha manhã. E o dia segue assim, corrido como de costume, mas misturado a desejos, imagens, poemas e canções.

Imagem: cena do filme "Asas do Desejo"

Paisagens


Brigas
Ao virar a esquina vejo ela sair do portão apressada em direção ao rapaz que segue pela calçada. Ela grita sem se importar com os outros passantes: "Vai embora, desgraçado!" Ele se vira e retruca: "Sua louca!". Pisco o olho e ela já está esbofeteando o rosto do moço que tenta controlar a fúria feminina. Entre gritos e xingamentos, os dois entram pelo portão.

Cansaço
No sinal vermelho, uma mulher corre entre os carros deixando um saquinho com 7 balinhas onde se lê: "Ajude uma mãe de família. R$ 1,00". Procuro por moedas antes do sinal abrir. Ela vem em minha direção no último segundo antes do carro detrás começar a buzinar e consegue pegar o dinheiro de minhas mãos. Pelo retrovisor vejo a mulher se encostar na palmeira do canteiro central, arfante... quase sem fôlego.

Lei Seca
Do outro lado do lago eu vejo a moto visitar cada grupo que está fazendo piquenique no parque. Não demora muito até o segurança chegar onde estamos para avisar: "Há uma lei que proíbe o uso de bebida com qualquer teor alcóolico aqui no parque. Então, por favor, escondam a garrafa para que não sejam abordados."

Desfile
A mulher vai na frente tentando ajeitar a saia que lhe sobe às coxas. Os joelhos arqueados e as pernas separadas mostra sua inaptidão em se equilibrar no salto que lhe aperta os pés. Atrás dela, a menina segue em um ritmo mais lento porque carrega uma caixa e uma sacola. O cabelo despenteado esconde um olhar triste que parece encontrar no chão o rumo para seus passos curtos.

Nada é por acaso
Peço gasolina e o frentista, distraído, enche o tanque com álcool. Sem acreditar que aquele engano vai me atrasar 45 minutos demonstro minha indignação e impaciência enquanto um outro funcionário organiza os preparativos para que o mal feito seja desfeito. Percebendo meu estado de irritação latente, pacientemente, ele explica: "Ser escravo do tempo pode ter um preço muito alto. Na vida, nada é por acaso".

Imagem capturada aqui.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Abril Despedaçado - A possibilidade de ver maio chegar

Abril Despedaçado [Brasil, 2001] começa com uma camisa ensanguentada tremulando no varal. Pelo seu movimento somos apresentados aos membros da família Breves: um pai, uma mãe e dois filhos: Tonho, um rapaz de 20 anos condenado a dar continuidade a uma antiga rivalidade entre sua família e os Ferreira, onde a honra é medida pela hora de matar ou morrer. Pacu, o irmão mais novo, é um menino que tem seus sonhos e fantasias constantemente abafados pela severidade paterna e a dureza da vida.

"A mãe costuma dizer que Deus não manda um fardo maior do que a gente costuma carregar. Conversa fiada! Às 'veiz' ele manda um peso tão grande que ninguém 'guenta'!"

No seio daquela família não se pode observar qualquer esperança, pois a vida é regida pela relação com a morte. O engenho, única fonte de sustento, marca o giro repetitivo daquela condição. Um relógio que contabiliza o tempo que parece não passar, os bois que giram e jamais saem do lugar demarcam um movimento onde as palavras e a visão são limitadas.

No entanto, à medida que a história avança, percebemos que a roda de bois começa a mostrar sinais de fadiga e desgaste. O menino aponta e Tonho, angustiado pela perspectiva da morte, passa então a questionar a lógica da violência e da tradição.

"Nessa história de olho por olho, todo mundo ficou cego!"

Esse questionamento ganha força com a chegada de Clara e Salustiano, dois saltimbancos que enxergam além do sépia e do horizonte conhecido por Tonho e Pacu. No chão árido, a jovem do circo anda leve de pernas de pau e mostra um pedaço do céu, de mar, de amor e alegria aos dois. Ao ganhar um livro da moça, o menino imagina a história de uma sereia e, de tão absorto, esquece de levar a cana para moer - seus sonhos o deixam afastado de alimentar a engrenagem que move toda aquela organização familiar e social.


A possiblidade de ver maio chegar é dada pelo olhar que vem de fora e que prenuncia a ruptura de um ciclo, subvertendo toda uma ordem. Depois de assistir ao filme pela quinta vez, saio com a certeza de que na vida real é preciso estar atento às oportunidades de renovação, de liberdade de escolha, de encontro com o mar aberto e todo um oceano de possíbilidades. Que este seja o efeito de beleza que me liberte de eixos aprisionantes, que me faça sair do lugar comum e me incite a cultivar verdades apaixonadas.

Imagens capturadas aqui.

domingo, 8 de abril de 2012

Profissão de Fé


Antes eu acreditava em um Deus zangado e esperava castigos ao invés de afagos. Atualmente, acredito que os barcos sonham, que as nuvens fazem desenho e até desconfio que o livro abandonado na página 47 revela estados de espírito variados. Minha fé reside em gestos pequenos e comportamentos de todo dia porque deixei para trás o Deus caprichoso e legislador das religiões e dos grandes acontecimentos. Sei ouvir os segredos da chuva e meus pensamentos circulam livremente sem bigornas ou censuras ditadas por livros sagrados.

As lições de catecismo eu subverto em minutos de sabedoria, de riso e ironia. Os santos viraram estampas de camiseta e para suas histórias eu invento finais profanos. Prefiro a devassidão soturna dos quartos paroquiais às falas de púlpitos e presbitérios. Meu hino de louvor é entoado fora dos templos para cada pedacinho de céu que a realidade, mesmo dura, deixa entrever.

Creio que alegria não seja pecado e que a infelicidade de hoje não garante recompensas futuras. Não quero saber de paraíso se, para adentrá-lo, não puder ser quem eu sou. Ainda tenho medo da morte porque acredito que morrer é retornar ao que eu era antes de nascer: nada.

No entanto, acredito que esse nada que eu tanto temo se conecta ao infinito e a vastidão desse universo cheio de mistérios e estrelas. Pensando bem, ainda tenho medo da morte porque, na verdade, eu nunca sonhei ser astronauta.

sábado, 7 de abril de 2012

Arejamentos


Entro devagar, quase com medo, aquele medo bobo que até a imaginação se recusa a preencher. Passo os dedos de leve pelas paredes nuas e dou passos cuidadosos. "Não vá pisar em alguma lembrança ou dor que tenha ficado escondida pelos cantos!"

Pelo caminho, tropeço numa vontade de arejamento que estava esquecida feito sapato perdido. Devia ter acendido a luz, mas tenho essa mania de andar às escuras pelos lugares. Tiro uma teia de aranha da fresta que prenuncia claridades, desejando que a aranha já tenha encontrado outro canto, outra morada. Olho pela janela enquanto tento adivinhar quem terá regado as flores de "amor perfeito"  no período de ausência.

Ouço alguém bater delicadamente: toc.. toc...

Sorrindo, atravesso minhas ausências para abrir a porta do meu próprio coração.

Imagem capturada aqui.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Revelações


A fotografia é a imagem em busca de eternidade. Talvez por isso, fotografar a própria vida em ação nos permita infinitas revelações.

Foto: Wolney Fernandes

Seres Incompletos


Reencontro, aqui e ali, pessoas do meu passado [como se meu passado fosse um lugar] que me atribuem frases e gestos de que não me recordo, embora acredite ter sido o seu autor. Vencido um certo desconforto - parece que falamos de uma terceira pessoa, ausente - sobra uma sensação de quase culpa por não ter guardado essas memórias devidamente, a que se junta a súbita consciência de que a memória não nos pertence.

O nosso passado assemelha-se a uma civilização perdida, da qual se encontram espalhados pelo mundo vestígios arqueológicos que nos transformam para sempre em seres incompletos.

Imgem capturada aqui.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Guia


Daquilo que só o prazer pode dar conta em 15 passeios por Goiânia.

01. Comer empada na barraca do "seu" Alberto no Mercado Central.
02. Escutar o coral de domingo da Igreja Batista no centro.
03. Apreciar a vista da cidade do Campus Samambaia da UFG.
04. Visitar os sebos da Rua 04 à procura de livros antigos (se possível, com dedicatória).
05. Tomar vinho, à noite, em um dos parques da cidade.
06. Assistir um filme qualquer no Cine Ritz.
07. Madrugar comendo delícias em uma padaria 24h.
08. Desenhar o movimento das pessoas no Bosque dos Buritis.
09. Mapear casinhas charmosas e antigas que ainda resistem à especulação imobiliária.
10. Comer pamonha e bolinho de milho em uma das tantas pamonharias espalhadas pela cidade.
11. Tomar café fora de casa e caminhar pelas ruas do centro no sábado pela manhã.
12. Passar a tarde em livrarias no shopping.
13. Participar do ensaio dos grupos de percursão na Praça Universitária.
14. Comer na "Esfiha Quente" da rua 04 no centro e lembrar que não há outra igual na cidade.
15. Sentar em um dos bares do Morro do Além só pra ver a cidade e suas luzes noturnas.


Foto: Wolney Fernandes

domingo, 1 de abril de 2012

[des]arrumações


Então, de repente, no meio dessa [des]arrumação feroz da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão? Detenho-me um instante, entre uma ou duas providências a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que complicar? A pressa parece ser uma necessidade que inventei.

A vida bem poderia ser mais simples. Seria possível deixar essa eterna inquietação das madrugadas e inaugurar de repente uma vida de acordar bem cedo?

Para instaurar uma vida mais simples e sábia, então seria preciso desenhá-la de outro jeito, não assim, nesse rabisco de pequenas pilhas de palavras, esse oficio absurdo e vão de dizer coisas. Talvez aprender, com ações, a cumprir os versos de Adélia Prado:

"Tudo que não fala, faz"
"Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é."

Fazer da mudança algo de sólido e singelo. Remover a barragem do rio e deixar a água correr, serena e mansa. Penso nisso, tirando um lápis do bolso para tomar nota. E paro apenas um instante... Para que tomar nota?

Não precisamos tomar nota de nada, precisamos apenas viver - sem notas, nem pressa, mas doces, distraídos, bons... como os pássaros, as mangueiras e o ribeirão.