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domingo, 25 de setembro de 2011

20 anos depois


Oi Pai!
Faz 20 anos desde que nos falamos pela última vez! Tempo demais para caber em uma carta só, mas a vontade de conversar contigo, sempre pulsante, me fez arriscar linhas de pura saudade. Tanta coisa aconteceu desde aquele setembro de 1991. Lembra? Eu tinha saído de casa para estudar em outra cidade, fato que você, demorou para aceitar. Eu não te contei na época, mas eu era só medo por dentro e apesar do desejo de abraçar o mundo, eu chorei baixinho no ônibus assim que você e o restante da família sumiram de vista.

Depois que você se foi, não me parecia muito animador ter que amadurecer. Tive que voltar pra casa, pois era chegada a hora de tomar todas as decisões que, antes, eram suas. Foi ali que aprendi que, para vislumbrar o futuro, seria preciso olhar para trás. É que, antes disso, o passado era tão próximo que nem mudava de cor.

Levou ainda mais 5 anos para que eu conseguisse me mudar para a capital. Desta vez, com minha mãe e minha irmã me acompanhando. Confesso que foi difícil me conformar com esse hiato até que eu conseguisse fazer o que eu desejava. E te culpei várias vezes por isso. Sua ausência me "furtou" o prazer das descobertas, para além das responsabilidades de quem só queria aproveitar a vida pra valer. Desde então, muita coisa aconteceu. Passei reto pelas drogas. Deixei de namorar garotas. Vendi as aulas de direção que você me deu junto com seu Corcel 77 e adiei os estudos para depois do trabalho.

E foi contrariando sua premissa (e de certa forma, a minha também) de que arte não poderia levar ninguém a lugar nenhum, que meu gosto por desenhar me trouxe até aqui. Você acredita que foram meus desenhos que me deram alguma substância? O seu lado desenhista, que você insistia em soterrar com as durezas que a vida te impôs, só começou a brotar em mim. Hoje, desenhar não é o que faço, é o que sou.

Sabe, pai, eu ainda tenho medo, muito medo. Volta e meia choro com saudade de uma vida que já não há. Mas o tempo me ensinou a não ter medo de ter medo. E é um alívio não ter mais que ficar submetido ao que os outros consideram sucesso ou fracasso. Mas é inevitável, olho para frente e me dá um frio na barriga de pensar no que virá. Hoje, aos 37, não deixo de pensar que faltam apenas 5 anos para eu ter a idade que você tinha quando se foi. E é tão pouco tempo, e ainda há tanto para viver...

Eu agora já carrego seus traços embaixo de uns poucos cabelos brancos que insistem em aparecer mais e mais a cada dia que passa. Espero ter a tranquilidade e o desapego para acompanhar cada um dos meus tempos no que eles tiverem para oferecer. Aceitar minhas marcas como parte da história dessa vida que sigo construindo.

Ah, queria dizer também que você iria gostar de ver como tenho cuidado da nossa família e da sua viola. Sim! Tanto a família quanto a viola, reluzem os acordes que você tanto repetia em canções que hoje, vez por outra, embalam nosso dia a dia. No final das contas, estamos bem!

Nestes 20 anos sem você, tenho aprendido a transformar algo da matéria volátil dos meus sonhos em existência concreta. Cada dia, decido que para ser feliz eu preciso me enforcar nas cordas da liberdade que a sua morte escondeu de mim por muito tempo. Para isso, preciso me reinventar com tudo aquilo que já é meu. Só a saudade é que não encontro jeito de abrandar. Com ela, mesmo [ar]riscando cartas como esta, ao final das linhas, há sempre o desejo incontrolável de falar contigo mais uma vez. E na conversa, não dizer nada, só deixar um abraço infinito falar por mim.

Imagem: Wolney Fernandes

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Eclética e Compartilhada

A vontade de que uma canção deixasse minha tarde mais levinha, acabou virando uma brincadeira boa no Facebook e no Twitter. Eu pedi, amigos/as atenderam e uma playlist bem eclética foi sugerida para embalar o restinho do dia. Para quem adora apertar a tecla shuffle como eu, segue abaixo a lista das canções na [des]ordem que foram sugeridas!

01. Não fosse o Cabral - Raul Seixas
02. Like You Do - Angel Taylor
03. Boas Notícias - Wander Wildner
04. The Show - Lenka
05. Concrete Wall - Zee Avi
06. Ai se eu te pego - Cangaia de Jegue
07. Gonna Get Over You - Sara Bareilles
08. Mary Cristo - Tribalistas
09. Êta Vida - Sociedade da Grã-Ordem Kavernista
10. Imensidão - Flávia Wenceslau
11. Age of Adz - Sufjan Stevens
12. The Melody of a Fallen Tree - Windsor for the Derby

Bônus - Chicago - Sufjan Stevens

Foto: Wolney Fernandes

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Recife, "um dia qualquer..."


  • Passamos o dia todo caminhando. Dor nos pés, mochila pesada nas costas e um cansaço acumulado no peito. Bastou só um convite - ao som do frevo e do maracatu - para que eu, sem titubear, entrasse no giro da ciranda na festa que estava rolando na praça.
  • Tínhamos acabado de atravessar a Rua dos Martyrios e paramos na esquina para fazer anotações. De repente, uma meleca destampou do céu dos pombos direto na minha calça clara. Depois disso, a tarde virou um filme de Hitchcock com pássaros conspirando e atentando contra mim.
  • A moça sentada ao meu lado no ônibus olha para a Praça do "Marco Zero", vê aquele monte de turistas fazendo fotos e dispara: "Não sei do que esse povo tira tanta foto. Não tem nada nessa porra aí". Eu me fiz de desentendido e coloquei minha carapuça de turista na mochila junto com a câmera fotográfica.
  • No balão que o vento soprou até mim, tinha a palavra "gratidão" escrita em um papelzinho dentro dele.
  • Entrei na exposição sem saber quem era Paulo Bruscky e deixei um pedaço do meu coração lá! Bem dentro de um envelope rabiscado com caneta Bic.
  • Em Recife, a Boa Viagem começa no bairro, se estende pela praia e enfeita as fachadas dos ônibus.
  • Na primeira sinagoga da América Latina uma carta terminava assim: "Nada é nosso e tudo é nosso, pois somos: UM com o TODO. Lá de onde eu estiver, mando meu carinho e agradeço termos sido amigos".
O título da postagem foi decalcado dessa mesma carta. 
A foto é minha e foi feita na praia de Boa Viagem

domingo, 18 de setembro de 2011

Sobre medos, incertezas e desatinos

Me falta coragem. E sei que se eu parasse menos para indagar meus próprios medos, eu estaria adiante. É que eles, os medos, falam uma língua embolada e me silenciam com um olhar de reprovação. Uma indelicadeza só! Por eles, sou Leão da Montanha porque plantam em mim vontades de saídas estratégicas. Pela direita ou pela esquerda, não importa! E tem mais, meus medos detestam apelidos e ameaçam pulos em cada passo que resolvo empreender.

A incerteza, essa sim, é minha parceira mais fiel. Me inspira desatinos e sussurra baixinho, com a convicção necessária, para eu continuar me movendo vida afora. Ela me beija na boca só pra deixar meus medos roxos de ciúmes. Um charme só!

Imagem capturada aqui.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Monumentos Notáveis

"Monumentos Notáveis" é uma ação motivada pelo desejo de convivência desenhada por Manoela Afonso e eu. Seu caráter colaborativo é conduzido pela experiência de uma produção artística compartilhada com pessoas de um determinado local, à partir da vontade de revelar sentidos de alguns lugares da cidade.

Quais são os elementos que marcam o cotidiano das pessoas e que merecem ser destacados? As respostas, dadas pelos/as moradores/as do local são oficializadas em uma cerimônia de inauguração com todas as pompas e honras típicas desse tipo de celebração: anúncio oficial, corte de fita, certificação, festa etc.

Inaugurar para tornar visível, para questionar e [re]configurar relações com os espaços/lugares da cidade. Inaugurar para festejar em grupo, solenizar, cercar de cuidado e de estima o que, muitas vezes, é coberto por certa invisibilidade. A Barraca de roupas da Dona Divina, o Fusca abandonado na calçada, os pastéis do "seu" Maurício (...) são presenças notáveis que imprimem identidade a determinado cotidiano e, por isso, merecem honra e mérito popular.

Para registrar estas inaugurações criamos um escritório ficcional, chamado Tabelionato de Ações Ordinárias, com livros de registro, carimbos, certificados e papeladas ligadas a uma burocracia poética. Tudo isso para oficializar desejos individuais e, a partir deles, criar opções coletivas que abram espaço para novos olhares!



Foto: Imagens da ação feita em Cezarina-GO em julho de 2011.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Rua de Dentro


O menino morava na rua que tinha um pé de Flamboyant bem no meio. As cartas cheias de vergonhas, medos e saudades ele pendurava em cada um dos galhos pintados com o fogo que a primavera trazia. Era lá que ensaiava vôos e onde tinha Venda de comprar suspiro.

Mas ele saiu daquela rua faz tempo e deixou escondida uma caixa cheia de suspiros e papéis que vão se amarelar um dia... Só que o menino continua. Nunca ele vai se mudar da rua de dentro de mim.

Imagem: Wolney Fernandes

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Árvore da Vida

Em 1991, eu voltava de um fracassado teste de datilografia, às 10 da manhã de uma quarta-feira, quando topei com minha tia no meio do caminho que, assustada, tinha ido me avisar da suposta morte do meu pai que se confirmou logo em seguida quando falei com minha irmã pelo telefone. Tudo que me lembro, além da falta de ar, era a pergunta que eu fazia internamente: "Por que Deus deixou isso acontecer?"

E é essa uma das tantas perguntas que o protagonista de "A Árvore da Vida" também faz. Com ele, pelas vias da beleza e da doçura fui conduzido às minhas reflexões internas sobre a própria natureza da vida. Os arcos da narrativa, sem a estrutura de começo-meio-fim, parecem memórias fragmentadas, dúvidas e impressões que se desgrudaram da tela para se instaurarem do lado de cá.

Embora fale, exalte e questione o sentido da vida usando muitas referências religiosas [com inteligência, diga-se de passagem], o filme não é sobre religião e, tampouco pedante a ponto de nos incitar a escolher o caminho do bem em detrimento do mal, como os preceitos dogmáticos insistem em fazer.

A história(?) mostra partes da vida de Jack, vivido por Hunter McCracken no passado e por Sean Penn no presente. Um garoto e um homem, ao mesmo tempo, atravessando ciclos muito específicos da existência. A maior parte do roteiro se concentra no período que o menino vive com os pais e dois irmãos mais novos em uma pequena cidade no interior do Texas, nos Estados Unidos.

"Pai... Mãe...vocês estão sempre lutando dentro de mim"

Deus, materializado pela figura do pai e vivido por Brad Pitt, é um sujeito cheio de regras, dogmas, que pune e ainda exige devoção e amor em troca. Me fez lembrar das aulas de catecismo quando, no auge das minhas incertezas, todos os domingos eu era questionado pela primeira pergunta do livrinho branco: "Quem é Deus?". Some a isso a pressão feita pela minha catequista que insistia em dizer que eu deveria saber a resposta e, ao mesmo tempo, temê-la por ter conhecido e experimentado tal revelação.

Em contrapartida, o filme também apresenta Deus materializado na figura da Mãe (Jessica Chastain - soberba!) como ventania que comunga com o mundo ao seu redor, que brinca com os filhos e estende as mãos para abraçá-los com o carinho e a delicadeza de um perfume bom, daqueles que embalam feito brincadeira de criança. É por ela que passamos a questionar as relações dentro de um panorama mais holístico e embarcarmos na dança da criação, habilmente orquestrada por imagens e sons que conduzem nossas próprias reflexões acerca do nosso papel no planeta.

E nesse ponto, o filme lembra "2001 - Uma Odisséia no Espaço", pois nos dá tempo e nos incita a um mergulho em nossas dúvidas, memórias e anseios: Deus existe? Quem somos nós para Ele? Como podemos conhecer as coisas sem olhar? O que existe do outro lado da vida? Qual o nosso papel dentro da dinâmica da criação?

Habilmente recriada, a origem da vida no filme se espalha de ponta a ponta, nas citações, na trilha sonora, na resolução e em metáforas tantas que fica difícil enumerá-las. Reparem, por exemplo, no formato de vagina e pênis que os primeiros seres aquáticos apresentam ou mesmo na espiral de vitrais religiosos que faz referência ao movimento do DNA.

O filme começa quando uma vida termina e seu final é marcado por um novo começo.

No início, a narrativa nos coloca diante de uma bifurcação: De um lado, o caminho da natureza - mundano - que satisfaz a si mesmo e, do outro, o caminho da graça, absoluta e universal. Ao longo do amadurecimento do menino Jack, contudo, a trama nos sugere que esses dois rumos são faces de uma mesma esfera e, portanto, complementares.

Eu até poderia afirmar, erroneamente, que quem nunca foi tocado por uma situação de morte tão próxima como a perda de um pai, uma mãe ou um irmão, talvez não se deixe envolver pela dinâmica que "A Árvore da Vida" propõe. No entanto, o filme também me trouxe à memória, um balanço feito com corda de sisal montado na sala de casa ou quando eu, com quatro anos, vi minha irmã entrar pra dentro da família carregada nos braços de minha mãe que tinha saído grávida alguns dias antes.

Aquele balanço e aquela chegada me fazem entender, agora com um pouco mais de clareza, que a vida se evidencia em instantes que ajudam a construir nossas histórias e nossas relações uns com os outros. Se a morte nos faz questionar o sentido da vida, a própria vida segue disposta a encontrar sorrisos mesmo sabendo que caminha rumo ao fim. E, isso, já é razão suficiente para que não fique ninguém sem se emocionar diante dela.

Imagem capturada aqui.

sábado, 3 de setembro de 2011

Memórias com nota de rodapé

Funciona mais ou menos assim: Mesmo quando a lembrança é ruim, minha vontade não é apagá-la. Mesmo quando dói, meu desejo é completá-la. Continuar pequenos trechos, escrever comentários, fazer desenhos ou acrescentar notas de rodapé.

Minhas lembranças parecem estar dispostas de maneira a constituir uma fresta por onde dores e alegrias entram de mãos dadas.

Imagem: Cenas do filme "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças". Achei aqui.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Estudos em Preto e Cinza

Para os dias acinzentados que antecedem a primavera e celebram a chegada de setembro.

Foto: Wolney Fernandes