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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Árvore da Vida

Em 1991, eu voltava de um fracassado teste de datilografia, às 10 da manhã de uma quarta-feira, quando topei com minha tia no meio do caminho que, assustada, tinha ido me avisar da suposta morte do meu pai que se confirmou logo em seguida quando falei com minha irmã pelo telefone. Tudo que me lembro, além da falta de ar, era a pergunta que eu fazia internamente: "Por que Deus deixou isso acontecer?"

E é essa uma das tantas perguntas que o protagonista de "A Árvore da Vida" também faz. Com ele, pelas vias da beleza e da doçura fui conduzido às minhas reflexões internas sobre a própria natureza da vida. Os arcos da narrativa, sem a estrutura de começo-meio-fim, parecem memórias fragmentadas, dúvidas e impressões que se desgrudaram da tela para se instaurarem do lado de cá.

Embora fale, exalte e questione o sentido da vida usando muitas referências religiosas [com inteligência, diga-se de passagem], o filme não é sobre religião e, tampouco pedante a ponto de nos incitar a escolher o caminho do bem em detrimento do mal, como os preceitos dogmáticos insistem em fazer.

A história(?) mostra partes da vida de Jack, vivido por Hunter McCracken no passado e por Sean Penn no presente. Um garoto e um homem, ao mesmo tempo, atravessando ciclos muito específicos da existência. A maior parte do roteiro se concentra no período que o menino vive com os pais e dois irmãos mais novos em uma pequena cidade no interior do Texas, nos Estados Unidos.

"Pai... Mãe...vocês estão sempre lutando dentro de mim"

Deus, materializado pela figura do pai e vivido por Brad Pitt, é um sujeito cheio de regras, dogmas, que pune e ainda exige devoção e amor em troca. Me fez lembrar das aulas de catecismo quando, no auge das minhas incertezas, todos os domingos eu era questionado pela primeira pergunta do livrinho branco: "Quem é Deus?". Some a isso a pressão feita pela minha catequista que insistia em dizer que eu deveria saber a resposta e, ao mesmo tempo, temê-la por ter conhecido e experimentado tal revelação.

Em contrapartida, o filme também apresenta Deus materializado na figura da Mãe (Jessica Chastain - soberba!) como ventania que comunga com o mundo ao seu redor, que brinca com os filhos e estende as mãos para abraçá-los com o carinho e a delicadeza de um perfume bom, daqueles que embalam feito brincadeira de criança. É por ela que passamos a questionar as relações dentro de um panorama mais holístico e embarcarmos na dança da criação, habilmente orquestrada por imagens e sons que conduzem nossas próprias reflexões acerca do nosso papel no planeta.

E nesse ponto, o filme lembra "2001 - Uma Odisséia no Espaço", pois nos dá tempo e nos incita a um mergulho em nossas dúvidas, memórias e anseios: Deus existe? Quem somos nós para Ele? Como podemos conhecer as coisas sem olhar? O que existe do outro lado da vida? Qual o nosso papel dentro da dinâmica da criação?

Habilmente recriada, a origem da vida no filme se espalha de ponta a ponta, nas citações, na trilha sonora, na resolução e em metáforas tantas que fica difícil enumerá-las. Reparem, por exemplo, no formato de vagina e pênis que os primeiros seres aquáticos apresentam ou mesmo na espiral de vitrais religiosos que faz referência ao movimento do DNA.

O filme começa quando uma vida termina e seu final é marcado por um novo começo.

No início, a narrativa nos coloca diante de uma bifurcação: De um lado, o caminho da natureza - mundano - que satisfaz a si mesmo e, do outro, o caminho da graça, absoluta e universal. Ao longo do amadurecimento do menino Jack, contudo, a trama nos sugere que esses dois rumos são faces de uma mesma esfera e, portanto, complementares.

Eu até poderia afirmar, erroneamente, que quem nunca foi tocado por uma situação de morte tão próxima como a perda de um pai, uma mãe ou um irmão, talvez não se deixe envolver pela dinâmica que "A Árvore da Vida" propõe. No entanto, o filme também me trouxe à memória, um balanço feito com corda de sisal montado na sala de casa ou quando eu, com quatro anos, vi minha irmã entrar pra dentro da família carregada nos braços de minha mãe que tinha saído grávida alguns dias antes.

Aquele balanço e aquela chegada me fazem entender, agora com um pouco mais de clareza, que a vida se evidencia em instantes que ajudam a construir nossas histórias e nossas relações uns com os outros. Se a morte nos faz questionar o sentido da vida, a própria vida segue disposta a encontrar sorrisos mesmo sabendo que caminha rumo ao fim. E, isso, já é razão suficiente para que não fique ninguém sem se emocionar diante dela.

Imagem capturada aqui.

2 comentários:

Thiago Pires disse...

Simplesmente arrasou no post, por incrivel que pareça, lendo seu post eu também me recordei de alguns momentos da minha infância.
O interessante é como as consequências e as atitudes do meu pai, me levaram, muitas vezes a sentir como se eu tivesse culpa na separação dele com minha mãe, bom, é o que ele tentava me fazer sentir. Felizmente aprendi a lidar com a situação.
Mas infelizmente esse processo de acreditar que Deus tem culpa perante as nossas atitudes, deixamos nos levar pelas emoções. Somos humanos, eu por quantas vezes deixei de tomar uma atitude para me tornar vítima da minha própria vida. Obrigado por me fazer refletir tanto, nem se quer vi o filme e ele já se tornou uma parte de mim.

kelly cristina disse...

Wolney, fiquei encantada com o filme, mesmo onde algumas vezes o silencio incomodava, a fragmentação das cenas incomodava, a luta do pai e da mãe dentro da gente também incomodava. é um filme que toca. toca a nossa relação com o universo, nossa existencia, nossa clareza. me emocionei de novo lendo seu texto. muita coisa mora na infancia e nos faz ir adiante, sentir que a vida é leve como aquela mãe, que chega a beirar tal fluidez que até parece que nada a prende nesse mundo, ora a vida é dura como pai, numa busca de ser reconhecido, mas que se desespera ao saber da possibilidade de ficar desempregado, como se fosse desprotegido. Que bom que a vida é tão grande quanto o universo, tão bela, tão rica, tão pulsante, vibrante. Beijos no coração. Kelly