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sábado, 31 de dezembro de 2011

Na dança do tempo, o balanço dos meses...


Eu, aqui, versão dois mil e onze:

Janeiro - Criei um blog de imagens que chegou ao fim hoje (31/12/2011) e tive vontade de nada.
Fevereiro - Troquei desenhos pelo correio e procurei por minhas frugalidades.
Março - Registrei e dancei os encantamentos da saída do Afoxé na cidade de Goiás e sumi do blog por uns tempos.
Abril - Uma pedra nos rins me tirou de circulação. Perdi pessoas queridas.
Maio - Arrisquei para me encontrar em poéticas urbanas, afetivas e cotidianas.
Junho - Fiz festa para celebrar tatuagens invisíveis. Inaugurei amizades e cotidianos de pura poesia.
Julho - Conheci o México e fiquei embriagado com suas cores e situações de contrastes variados.
Agosto - Organizei minhas vontades em traçados de mudanças para o futuro do presente.
Setembro - Fui premiado no SPA das Artes no Recife em uma parceria que rendeu amizade de vida longa. Entre lembranças e desatinos conheci o Rio de Janeiro pela primeira vez.
Outubro - Escrevi minha milésima postagem, arrumei o blog e chamei gente amiga para celebrar.
Novembro - Caminhei pelas ruas de São Luís no Maranhão e fui aprovado na seleção do doutorado na UFG para pesquisar as memórias que tenho sobre meu avô.
Dezembro - Comecei a registrar meus dias dezessetes.

Imagem: Wolney Fernandes

Cinema 2011


No total foram 95 filmes na tela grande e outros tantos em casa. Seguindo a tradição iniciada no ano passado, segue um simples painel que mostra minhas predileções, decepções e deslumbramentos no cinema em 2011.

Os melhores filmes do ano:
1. A Árvore da Vida
2. Cópia Fiel
3. O Palhaço
4. Meia Noite em Paris
5. Namorados para Sempre

Os melhores filmes que ninguém viu:
1. Além da Estrada
2. Poesia
3. Hanami - Cerejeiras em Flor
4. Um Lugar Qualquer
5. O Mágico

Constrangimentos do ano:
1. A Pixar em sua primeira derrapada com "Carros 2"
2. Começo, meio e fim de "Amanhecer - parte 1"
3. A trama de Crepúsculo disfarçada de "A Garota da Capa Vermelha"
4. As reviravoltas de causar bocejos de "O Turista"
5. A trama ruim e o nada carismático "Lanterna Verde"

Cenas inesquecíveis:
1. A tragédia com imigrantes ilegais em "Biutiful".
2. A fuga de dentro da casa do vampiro em "A Hora do Espanto"
3. Dean (Ryan Gosling) procurando pela aliança de casamento, depois de tê-la jogado fora durante uma briga em "Namorados para Sempre".
4. Juliet Binoche encarando o marido na cena do café em "Cópia Fiel".
5. O suspiro da cena final de "A Pele que Habito"

Os cartazes mais incríveis do ano:
1. A Árvore da Vida
2. Eu Matei minha Mãe
3. Meia Noite em Paris
4. Além da Estrada
5. Hanami - Cerejeiras em Flor

Imagens de cair o queixo:
1. A dança final de "Hanami - Cerejeiras em Flor"
2. Tom Cruise escalando o edifício mais alto do mundo em "Missão Impossível 4"
3. Os deuses do Olimpo de "Imortais"
4. As cenas em slow-motion de "Melancolia"
5. Natalie Portman encarnando (e se transformando) em cisne no último ato de "Cisne Negro".

Personagens inesquecíveis:
1. O Lionel Logue de Geoffrey Rush em "O Discurso do Rei"
2. A Ree Dolly de Jennifer Lawrence em "Inverno da Alma"
3. O Magneto de Michael Fassbender em "X-Men: Primeira Classe"
4. O Salvador Dalí de Adrien Brody em "Meia Noite em Paris"
5. O palhaço sem identidade de "Selton Mello" em "O Palhaço"

Os filmes que me fizeram escrever:
01. Além da Estrada
02. A Árvore da Vida
03. Meia-Noite em Paris
04. O Vencedor
05. Namorados para Sempre

Foto: Wolney Fernandes

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Casamentos na Calçada


Enquanto os noivos assinam a papelada junto com as testemunhas dentro do cartório, os convidados se ajeitam na calçada e misturam risos com o barulho do trânsito na avenida.

Saltos, lisuras, sedas e gravatas sinalizam que a ocasião é solene e a celebração se dá em meio ao passa-passa de transeuntes. Feito convidado penetra, atravesso o meio da festa com aquela vontade de ficar mais um pouquinho, de perguntar das histórias, de cumprimentar os noivos depois da cerimônia...

Contaminado por felicidade alheia, meu sorriso brota sem dificuldade porque todo sábado tem casamento na calçada da Avenida Tocantins.

Foto: Wolney Fernandes

domingo, 18 de dezembro de 2011

Vontade de Dançar

Tenho um monte de razões para adorar esse clipe. A vontade que tenho de sair dançando pela rua é a principal delas. E isso, por si só, já é muita coisa.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Dezessete de Dezembro de 2011 - Sábado


Viver pode ser complicado porque é preciso se livrar de muita coisa pra se começar. Todo sábado eu ensaio a vida que vou inaugurar na segunda começando sempre pela arrumação no meu quarto. Porém, hoje troquei a arrumação matutina pelo rito de caminhar pelo Centro ouvindo música. 

Na saída, recebi encomenda para passar no supermercado e acabei não resistindo ao cheiro e ao roxo das uvas de caixinha. Chupei uma às escondidas e decidi que aquele seria o sabor da minha arrumação de mais tarde.

Joguei montes de papéis acumulados e guardei outro tanto que fui encontrando pelo quarto. Terminei de ler "Um Dia" com aquela sensação de que a vida acontece na urgência do presente. Deixei a arrumação pela metade depois de olhar pela janela e perceber uma vontade de voar por um céu cor de rosa e frio. O céu de todo dia deveria ser rosado, nublado ou ensolarado, mas ainda rosado. Só para trazer frio pra ser sentido na pele e causar o aquecimento interno de cada um. Enquanto caminhava, a ideia de registrar todos os meus dias dezessetes se desenhou na minha cabeça.

Na saída do cinema, fiquei sabendo que o mundo já não tem mais Cezaria Evora, Joãozinho Trinta e Sérgio Brito. Coloquei "Sodade" pra tocar no iPod enquanto caminhava pra casa. Sábado cheio de perdas... Sábado cheio de achados: um bilhete encontrado na arrumação sussurra baixinho [e incessantemente] o que eu tento, por vezes, não escutar: "O amor é inevitável!". 

De noite, saí para ver as luzes do Natal espalhadas por Goiânia e foi divertido como se estivesse em uma brincadeira. Porque o ideal é brincar. Brincar com a idéia de si mesmo.

Suspiro...

Foto: Wolney Fernandes

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Sob laranjeiras


Tínhamos andado muito. Cansados, sentamos debaixo do pé de laranja e ficamos por uma hora. Pareceu naquele momento que dava sim para ser feliz.

Foto: Wolney Fernandes

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Antes de terminar


Chorei no escuro do cinema e em casa também. Posso dizer que me diverti, que inventei depressões para me obrigar a me divertir ainda mais. Que ouvi boa música e li bons livros [poucos] e perdi tempo com notas já usadas, programas aborrecidos e frases feitas.

Dei beijos mornos e doces debaixo de chuva gelada e beijos que são enganos feitos de sono, de embriaguez e alguma estupidez. Esqueci finalmente quem me ocupava partes de mim mesmo sem razão, partes de Peter Pan e pedaços amargos de limão gelado que em dias de sol sabe bem.

Vi o sol se pôr fora de Goiânia enquanto falava do nada e de todas as coisas que vagueiam em mim. Passeei pelas ruas do Centro deixando que a luz amarelada cubrisse de cor os caminhos pelos quais me perco. Fotografei jardins estrelados em tardes quentes e abafadas de um tempo que não volta a ser o mesmo.

Procurei memórias para descansar. Desiludi-me uma vez apenas e acreditei vezes sem conta. Por vezes é fácil, às vezes difícil, mas nunca impossível. Clichê, eu sei, mas vou grifar isso para usar como meu lema em 2012.

Foto: Wolney Fernandes

domingo, 4 de dezembro de 2011

Arco-Íris Portátil
A Todo Instante por Gláucio Henrique Chaves


Gláucio Henrique Chaves é filho dedicado às belezas que só a mãe natureza sabe oferecer. Vive prestando atenção em paisagens e marcas do tempo lá para os lados das Minas Gerais. Para saber mais: EFGoyaz
O Semeador
A Todo Instante por Marcos Vinícius Ramos

Saiu o semeador a semear...
Dentre uma variedade de sementes
visíveis e invisíveis por aí, qual semear?
Minhas mãos, acostumadas, pedem trigo ou algodão.

Trigo para os moinhos-dragões,
na luta por um existência diária;
mais um poente, outro nascente,
à espera de fartura, de pão.

Algodão para os teares da história,
com repassos e tramas tão sutis.
Fio a fio se faz uma vida,
sem paixão e com alma ferida.

Uma parte da semente caiu na beira da estrada...
Não mais as mesmas sementes.
Pois os pássaros ficaram famintos;
e os espinhos não sufocam ninguém.
Meu coração anseia por uma nova semente,
como teus olhos por uma nova imagem.

Semente nova,
imagem nova,
e uma história humana de sempre,
sem panos e sem pão.

Marcos Vinícius Ramos é poeta de natureza. Para mergulhos em versos de pura beleza, clique aqui.

domingo, 27 de novembro de 2011

Sobre o grande amor


"Eu sempre achei que o amor, o grande amor fosse incondicional. Que quando houvesse um grande encontro entre duas pessoas, tudo pudesse acontecer. Porque se aquele fosse o grande amor, ele sempre voltaria triunfal. Mas nem todo amor é incondicional. Acreditar na eternidade do amor é precipitar o seu fim. Porque você acha que esse amor aguenta tudo, então, de um jeito ou de outro você acaba fazendo esse amor passar por tudo. Um grande amor não é possível. E talvez por isso é que seja grande - para que nele caiba o impossível."

Texto da série "Afinal, o que querem as mulheres?"
Imagem: Ilustração de Olaf Hajek

Delícias em papel pólen


01. Travessuras da Menina Má - Mário Vargas Llosa
02. Dois Rios - Tatiana Salem Levy
03. A Arte de Viajar - Alain de Botton
04. Reflexos e Sombras - Saul Steinberg
05. Nada a Dizer - Elvira Vigna
06. Coração - Edmondo De Amicis
07. Quando eu Nasci - Isabel Minhós Martins
08. Liberdade - Jonathan Franzen
09. Na Estrada - Marcos Strecker
10. Asterios Polyp - David Mazzuchelli

Foto: Wolney Fernandes
Sede
A Todo Instante por Adriano Antunes


Longo é o caminho que percorro a procura de respostas para indagações antigas. Percurso intransferível que gera desconforto, totalmente compreensível, como sentir sede no deserto. O viver ensina, e a todo instante surge nova peça desse quebra-cabeça gigante, composto por inúmeros efeitos sem aparente causa. Sigo a dica dos testados, ato contínuo, inicio pelos cantos sem noção de centro, remonto a causa pelos efeitos, esforço paciente. Ontem, asas amarradas ao solo; hoje, tentativas de vôo raso, rápido, observo maravilhado, a sede de busca que sempre habitou em mim.

Adriano Antunes ventila escritas vindas do sul com a propriedade de quem deixa pegadas difíceis de apagar. Para seguir seus rastros, clique aqui.
Imagem: Marcelo Fedrizzi, fotógrafo

Onde começa a saudade


A saudade não começa no aeroporto e nem quando o carro desaparece estrada afora. A saudade não começa no adeus ou no último suspiro compartilhado. A saudade não começa quando tento mapear os cheiros pelo abraço. A saudade começa quando o fim se desenha no horizonte. A saudade começa quando, desajeitadamente, começo a vivenciar rotinas que a minha vida terá durante a ausência.

Foto: Wolney Fernandes

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Desassossego


A vontade de escrever foi mal educada comigo hoje. Tanta coisa pra acabar, mas precisava registrar em escrita borrada, um desassossego. Não espero ser inteiramente preenchido, mesmo tentando de várias formas cruas me sentir aquecido por dentro.

Em minha reabilitação particular, fico com preguiça dos planos que eu próprio tracei e, para esquecê-los, eu durmo. Se pudesse, não sairia do meu quarto, mas a vida me apressa. Pareço não ter direito a folgas. E eu que sonho tirar uma pequena folga das minhas ansiedades causadas pelos projetos riscados ou de risco, não sei...

Nos últimos dias eu busco uma doce sensação de uma noite durante a chuva, quando a ansiedade é banhada pelo frescor dos sossegos. Daqueles despidos de pretensões, mas tatuados com liberdades.

Foto: Wolney Fernandes

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Para meu querido Wolney, com amor.
A Todo Instante por Gwavira Gwayá


A todo instante, a vida pode nos surpreender. Qual a melhor maneira para estarmos receptivos às surpresas? Será preciso andar distraídos por veredas pouco familiares? Ou seria melhor nos colocarmos atentos, observadores obstinados? Não nos é dado saber, jamais... Quando a vida explodirá a poucos passos de nós, rompendo cascas, ali, à beira da via movimentada, na forma de uma ninhada de quero-queros? Como saber qual sobreviverá à difícil travessia dos primeiros dias? E, de repente, a breve visão da luz da manhã banhando a cria nova, depois da chuva, sob os olhos atentos do casal de quero-queros, prontos a atacar qualquer visitante indesejado... Pronto: o dia já terá valido a pena!

Gwavira Gwayá
Terra Gwayá, 9 de novembro de 2011

Gwavira Gwayá borda delicadezas e trança alegrias com risos soltos. Possui a voz mais linda que eu já ouvi e tem um blog de notas e rabiscos. Para conhecer mais, clique aqui.

Mapeando abandonos


São Luís em ruas de pura poesia e abandono:

Rua do Alecrim, Rua dos Prazeres, Rua dos Afogados, Rua da Viração, Rua do Veado, Rua da Palma, Rua do Giz, Rua da Alegria, Rua da Estrela, Rua do Sol, Rua Azul, Rua das Flores, Rua da Saudade...

Foto: Wolney Fernandes

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

[a]guardando instantes
A Todo Instante por Odailso Berté


Instantaneamente vários deles desfilam pela minha memória: o poço onde fios de cabelo viravam cobras, o açude rodeado por pés de ariticum e guavirova, o parreiral onde a cobra verde me assustou, os canteiros de flores que ajudei minha mãe fazer, a xícara de café com leite sobre a mesa na manhã em que acordei sozinho, o dia em que calcei uma sandália feminina envergonhando meu pai perante amigos, a flor amarela que avistei perto do limoeiro, as garças brancas na aveia verde, o lapso entre o músico e o policial, amor e título, exigência e displicência, o medo de...

Desde sempre os movemos e somos movidos por eles. Revendo-os me abraço e me [co]movo. Vou e volto neles, pois me constituem. Os que foram e os que virão, com suas cobras, flores, sandálias e amores.

Parafraseando Cazuza, o instante não pára. O mundo não pára, nos não paramos. Quer dizer, um dia vamos parar, depois de [a]guardarmos muitos instantes. Mas eles seguirão acontecendo.

Odailso Berté veio do sul e vive inventando passos de dança para levantar a poeira e as folhas do cerrado. Para conhecer mais: Dançamentos

Na hora do lanche


Um dia antes, Dona Biga entrava nas salas de aula para avisar da sopa do dia seguinte. Das hortas cultivadas no quintal das casas, saíam tomates, cebolinha, batata doce, cenoura e até giló. O caldo da sopa ficava bem mais consistente com a contribuição da meninada.

Sirene não havia. A marcação do recreio era feita pela entrada da merendeira com as tijelas de plástico azul em um grande tabuleiro. Nessa hora, todos entoavam desafinadamente "Bom dia, merendeira como vai?..."

O cardápio, variado, era sempre intercalado por lanches gostosos: sopa, arroz com carne, paçoca, macarrão com sardinha e feijão tropeiro [quem levasse ovo, tinha direito de ter a iguaria inteira cozida no meio do feijão]. Nos dias fracos eram servidos leite com bolacha ou mingau [que de gostoso só tinha a cor].

O sabor dessas lembranças eu encontrei dentro da mesma vasilha azul que ainda serve a merenda em muitas escolas por aí.

Foto: Wolney Fernandes

Quando


Roberto Carlos eu descobri há pouco em lindas canções dos anos 60.

01. Não precisas chorar
02. Eu te darei o céu
03. Ar de moço bom
04. Quando
05. Eu te amo, te amo, te amo
06. Quero ter você perto de mim
07. Eu não vou deixar você tão só
08. É tempo de amar
09. Como é grande o meu amor por você
10. O tempo vai apagar

Imagem: detalhe da capa do LP "O Inimitável" de 1968.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011


Perca=Encontre
A Todo Instante por Cristian Mossi


Cristian Mossi vive em Santa Maria no Rio Grande do Sul. Para conhecer mais: meus(des)enredos

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Autorretrato*


Me colaram no tempo, me puseram uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo, a leste pela impossibilidade de voar, a oeste pela minha educação.

Me vejo numa nebulosa, fluido... mesmo assim, me puseram o rótulo de sério, centrado. Vou rindo, vou andando aos solavancos. Desenho, rio e choro. Estou aqui e ali em desarticulações de dar dó.

Sou um cemitério pelo avesso, pois meus mortos estão em covas rasas. Carrego minhas saudades com o carinho de quem vive pelas memórias. São elas que me revelam o sentido verdadeiro das coisas. A morte só pesa por fora, tudo por dentro tem intenção de vida.

Toda segunda eu deixo de lado minhas imperfeições para, então, recolhê-las na terça. Ô caminho longo esse que coloca na vida o gosto de brevidade. Escrevo, agora, querendo terminar logo, no desejo tardio de ainda escrever muito.

Gosto do vento que me suspende os passos e, vez por outra, bagunça todas as agonias. No espelho, fico aliviado quando não me reconheço. Tenho vontade de inaugurar no mundo o estado de bagunça transcendente. Mas sou a presa do homem que fui há vinte anos passados, dos amores raros que tive, de uma vida de planos ardentes, de desertos vibrando por instantes de felicidade.

(*) Postagem de número 1000.
Foto: Wolney Fernandes

domingo, 30 de outubro de 2011

Instantes Possíveis

Um gesto que o olho percebe, um sorriso não ensaiado, uma dor que não tem nome, um pensamento fugidio... reflexos soltos, instantes espontâneos e fugazes que, registrados, tornam-se preciosos, vitais. São instantes de liberdade... são instantes possíveis.

E essa vontade enorme de segurar forte, de não deixar escapar nenhum destes instantes, de possuir cada cheiro que eles ventilam. Essa vontade eu sempre quis pra mim. Por isso pego imagens, músicas e poesias emprestadas, arrisco algumas novas porque, nos mínimos detalhes, eu quero me traduzir.

Mas não adianta! Em cada chance que eu tenho de exercitar meu ato inocente de me possuir, o tempo me arranca. Como em uma brincadeira de esconde-esconde, tendo me moldar em frases curtas e imagens sem foco. Tento agarrar a memória do que eu era... do que eu sou.

Paro um momento e faço silêncio porque daqui a pouco tudo muda e acabo me sujando com o barro molhado que vivo tentando moldar os pensamentos escritos aqui.

Não tenho certeza se esse é um texto sobre os labirintos que desenham meu campo de desejos. Para tanto, falta um pouco de ironia, um pouco de brincadeira, de poesia e sagacidade. Na verdade o 999º texto deste blog é só pra dizer que estou construindo um rosto novo para meus instantes. Um texto sobre arrumações de toda ordem.

Para marcar a milésima postagem, programada para o próximo Dia dos Mortos, faço questão dos ritos encharcados de afetos e das brincadeiras que tiram sorrisos do olhar. Uma única certeza para um monte de dúvidas que continuarão descritas aqui, ao sabor de minhas vontades... a todo instante.

Foto: Wolney Fernandes

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Isto e Aquilo

Foi assim em 1991, 1994, 1997, 2000, 2004, 2009 e agora: navego em uma sensação muito forte de que esse tempo é próprio das transições. Meus ritos pessoais de passagem não são fáceis e eu nunca decoro a cartilha das escolhas. E olha que nem estou falando daquelas entre o bem e o mal, mas toda pequena escolha [água com ou sem gás? camisa vermelha ou azul? casa ou academia? direita ou esquerda?...] ainda carrega um tantinho de dificuldade.

"Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, 
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo".*

Cecília Meireles que me perdoe, mas melhor do que "Ou isto ou aquilo" seria "Isto e aquilo".

Pensar sobre as transições me deixa com vontade de silêncios. Continuo completamente normal por fora, mas por dentro coisas graves acontecem. Muitas vezes coisas até obscuras, dessas que não se revelam em realidade. Destas que tiram a vontade de atender ao telefone ou dizer bom dia no trabalho.

Em dias assim evito o espelho. É que perder a inocência nada tem a ver com a primeira vez. É original a cada troca de pele, a cada nova folhagem. Fico sério quando estou só, mas também experimento uma felicidade bem particular. Um estado de espírito quase egoísta, que não se permite compartilhar. E assim, me fecho sem chaves, procurando me revelar quase inteiro pra mim.

Foto de Jesús González. Olhei aqui.
(*) Trecho do poema "Ou Isto ou Aquilo" de Cecília Meireles

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A vida em coisinhas de nada


- "Estranho seria se você, adulto, gostasse do Justin Bieber. A música dele não é feita pra você!" Ao ouvir isso em uma entrevista pela TV, eu até entendi, mas estranhei. Só se pode gostar de coisas feitas para a idade da gente?

- Atravesso a rua e ouço o motorista buzinar insistentemente em frente ao prédio.

- A beleza dela é daquelas difíceis de descrever, mas aquele vestido verde e aquela boca cor de goiaba só podia ser combição para que todos os olhares se voltassem para ela.

- A música que você adora foi parar na novela das oito e ainda tem gente que não gosta de saber da notícia.

- Comprei a capa para o celular às 10h30. Às 11h, sem perceber, joguei a sacolinha com a capa novinha no lixo! Voltei ao meio dia para ver se ainda a encontrava, mas já tinham recolhido o lixo às 11h45.

- E o motorista insiste em buzinar em frente à portaria, mesmo o prédio tendo 104 apartamentos.

- Pergunto ao moço da banca se a Revista Trip deste mês já chegou. Ele diz que não e me indaga: "Só hoje, você é a quinta pessoa que procura por esta revista. O que ela tem neste mês que todo mundo quer?" - Eu sorrio por dentro e digo bem tranquilo: "Dois homens se beijando na capa".

Imagem: Capa da Revista Trip do mês de outubro de 2011 cujo tema é a diversidade sexual.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O alvo que eu escolhi ser

Havia um tempo, e não faz muito, que meu sorriso não tinha vincos nos cantos e sabia ocupar-se da língua, sempre insana.
Havia um tempo, e não faz muito, que a minha boca, destemperada em sua cor de nascença insistia em buscar semelhanças em outras bocas, outras moças, outros moços, outros tantos, comunhão.
Havia um tempo, e não faz muito, que meu corpo rijo oferecia céus e infinitudes, e sabia correr o estado do risco, e sabia parar sob ordens que só ele, ele mesmo, dava a si.
Havia um tempo, e não faz muito, que vivia o meu coração gerando as ideias que minha cabeça executaria sem pudores.
Hoje, reservo dores para os começos. Vou vivendo. Troco dias por cicatrizes. No final dos tempos, vou ser um mapa delas, cada uma indicando um caminho, uma trincheira, uma saraivada de tiros em posição de alvo. O alvo que eu escolhi ser.

Foto: Wolney Fernandes

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Musa


O adolescente dentro de mim parou de dançar uma música legal e ficou olhando pra TV sem som, assistindo aquele filme da sessão da tarde de 25 anos atrás. Como era fácil olhar para a Molly Ringwald sem ter que pensar no dia seguinte. Meu erro de adulto é querer continuar procurando os sentidos. Por que eu simplesmente não saio assoviando e pensando nas sardas da Molly, como se os assuntos estivessem resolvidos? Por que não?

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Tudo vai dar certo?

Tudo errado. Passo o dia com aquela vontade de passar o dia de boca aberta, perguntando "por quê?"
Daí um passarinho bem miudinho pousa na minha janela.
E não importa mais que esteja tudo errado. Não importa mais o corte de cabelo ridículo e estas medidas inexplicáveis.
O passarinho pousou na minha janela.
Mesmo que tenha sido só nos últimos acordes da música, posso considerar um sinal de que tudo vai dar certo?

Foto: Wolney Fernandes

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A beleza dos finais

"Além da Estrada" é um daqueles filmes que transcorre sem os rompantes típicos dos dramas hollywoodianos. Para ver o filme, assim como os protagonistas, é preciso ter tempo para simplesmente sentar à beira do caminho e apreciar a paisagem. O filme traz lugares e ambientes incríveis garimpados na geografia do Uruguai.

Apesar de ser um road movie, o roteiro não se resume apenas em mostrar os lugares por onde transitam Santiago e Juliete - dois jovens que passam dos desconhecimentos aos apaixonamentos pelo ritmo do encontro com as pessoas que habitam aquelas paisagens.

Além de silencioso, o filme possui um dos finais mais evocativos e poéticos que eu já experimentei. Foi à partir dele que me veio a ideia de listar aqui os cinco finais mais bonitos que eu já vi no cinema. Para quem não gosta de spoilers, recomendo que pare de ler a postagem aqui. Aos que já conhecem os filmes listados a seguir, deixem sua opinião. Adoro listas quando delas brotam conversas sem fim.

Além da Estrada (Por el Camino, 2010)
Santiago e Juliete fazem planos para o futuro enquanto caminham por uma ponte inacabada. A continuação de suas histórias permanece imprecisa como a vida. Junto com os passos dos protagonistas, espaços são articulados para além do previsível, dando a nós, espectadores, a possibilidade de completar aquela ponte de possíveis...

Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset, 2004)
Jéssie e Celine se reencontram em Paris, nove anos depois dos acontecimentos do primeiro filme. Como antes, eles têm poucas horas antes que o voo dele parta de volta para os Estados Unidos. Nos minutos finais, Celine dança imitando Nina Simone e diz com a voz rouca: "Baby, você vai perder aquele avião!". Ele responde com um sorriso nos lábios: "Eu sei!" - Ela continua dançando...
Veja a cena aqui.


Abril Despedaçado (2001)
Uma rivalidade familar cria um ciclo de mortes onde a hora de matar ou morrer é determinada quando a mancha de sangue da camisa do rival amarelar. A tradição é encerrada quando o irmão mais novo troca de lugar com o irmão mais velho e é morto. O engano desfaz o ciclo. Tonho, libertado pelo irmão caçula, segue ao encontro do sonho em uma cena em que vê o mar pela primeira vez.
Veja aqui.

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004)
Depois de se submeter a um procedimento que apagaria as lembranças de sua ex-namorada, Joel decide que não quer esquecê-la. A decisão é tomada no meio do processo e ele tem que esconder as memórias que tem de Clementine em algum lugar do seu cérebro. No fim, um [re]encontro acontece e eles travam um diálogo, que não precisa de maiores explicações:
"-Não consigo ver nada que eu não goste em você.
Agora não consigo.
-Mas verá! Mas verá.
Sabe, você vai pensar nas coisas, e eu vou me entediar com você e me sentir presa, porque é isso que acontece comigo!
-Tudo bem.
-Tudo bem."
Para ver a cena inteira, clique aqui.

O Céu de Suely (2006)
Depois da rifa cujo prêmio é uma noite de amor, Hermila deixa o filho com a avó e parte do Nordeste para o Sul do Brasil. Da janela do ônibus, ela vê João que segue o veículo em sua motocicleta. Ao atravessar a placa que diz "Aqui começa a saudade de Iguatu", os dois somem estrada afora. Depois de minutos de um silêncio cortado apenas pelo canto de passarinhos vemos João voltar na sua moto. Sozinho.
Veja aqui.

domingo, 25 de setembro de 2011

20 anos depois


Oi Pai!
Faz 20 anos desde que nos falamos pela última vez! Tempo demais para caber em uma carta só, mas a vontade de conversar contigo, sempre pulsante, me fez arriscar linhas de pura saudade. Tanta coisa aconteceu desde aquele setembro de 1991. Lembra? Eu tinha saído de casa para estudar em outra cidade, fato que você, demorou para aceitar. Eu não te contei na época, mas eu era só medo por dentro e apesar do desejo de abraçar o mundo, eu chorei baixinho no ônibus assim que você e o restante da família sumiram de vista.

Depois que você se foi, não me parecia muito animador ter que amadurecer. Tive que voltar pra casa, pois era chegada a hora de tomar todas as decisões que, antes, eram suas. Foi ali que aprendi que, para vislumbrar o futuro, seria preciso olhar para trás. É que, antes disso, o passado era tão próximo que nem mudava de cor.

Levou ainda mais 5 anos para que eu conseguisse me mudar para a capital. Desta vez, com minha mãe e minha irmã me acompanhando. Confesso que foi difícil me conformar com esse hiato até que eu conseguisse fazer o que eu desejava. E te culpei várias vezes por isso. Sua ausência me "furtou" o prazer das descobertas, para além das responsabilidades de quem só queria aproveitar a vida pra valer. Desde então, muita coisa aconteceu. Passei reto pelas drogas. Deixei de namorar garotas. Vendi as aulas de direção que você me deu junto com seu Corcel 77 e adiei os estudos para depois do trabalho.

E foi contrariando sua premissa (e de certa forma, a minha também) de que arte não poderia levar ninguém a lugar nenhum, que meu gosto por desenhar me trouxe até aqui. Você acredita que foram meus desenhos que me deram alguma substância? O seu lado desenhista, que você insistia em soterrar com as durezas que a vida te impôs, só começou a brotar em mim. Hoje, desenhar não é o que faço, é o que sou.

Sabe, pai, eu ainda tenho medo, muito medo. Volta e meia choro com saudade de uma vida que já não há. Mas o tempo me ensinou a não ter medo de ter medo. E é um alívio não ter mais que ficar submetido ao que os outros consideram sucesso ou fracasso. Mas é inevitável, olho para frente e me dá um frio na barriga de pensar no que virá. Hoje, aos 37, não deixo de pensar que faltam apenas 5 anos para eu ter a idade que você tinha quando se foi. E é tão pouco tempo, e ainda há tanto para viver...

Eu agora já carrego seus traços embaixo de uns poucos cabelos brancos que insistem em aparecer mais e mais a cada dia que passa. Espero ter a tranquilidade e o desapego para acompanhar cada um dos meus tempos no que eles tiverem para oferecer. Aceitar minhas marcas como parte da história dessa vida que sigo construindo.

Ah, queria dizer também que você iria gostar de ver como tenho cuidado da nossa família e da sua viola. Sim! Tanto a família quanto a viola, reluzem os acordes que você tanto repetia em canções que hoje, vez por outra, embalam nosso dia a dia. No final das contas, estamos bem!

Nestes 20 anos sem você, tenho aprendido a transformar algo da matéria volátil dos meus sonhos em existência concreta. Cada dia, decido que para ser feliz eu preciso me enforcar nas cordas da liberdade que a sua morte escondeu de mim por muito tempo. Para isso, preciso me reinventar com tudo aquilo que já é meu. Só a saudade é que não encontro jeito de abrandar. Com ela, mesmo [ar]riscando cartas como esta, ao final das linhas, há sempre o desejo incontrolável de falar contigo mais uma vez. E na conversa, não dizer nada, só deixar um abraço infinito falar por mim.

Imagem: Wolney Fernandes

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Eclética e Compartilhada

A vontade de que uma canção deixasse minha tarde mais levinha, acabou virando uma brincadeira boa no Facebook e no Twitter. Eu pedi, amigos/as atenderam e uma playlist bem eclética foi sugerida para embalar o restinho do dia. Para quem adora apertar a tecla shuffle como eu, segue abaixo a lista das canções na [des]ordem que foram sugeridas!

01. Não fosse o Cabral - Raul Seixas
02. Like You Do - Angel Taylor
03. Boas Notícias - Wander Wildner
04. The Show - Lenka
05. Concrete Wall - Zee Avi
06. Ai se eu te pego - Cangaia de Jegue
07. Gonna Get Over You - Sara Bareilles
08. Mary Cristo - Tribalistas
09. Êta Vida - Sociedade da Grã-Ordem Kavernista
10. Imensidão - Flávia Wenceslau
11. Age of Adz - Sufjan Stevens
12. The Melody of a Fallen Tree - Windsor for the Derby

Bônus - Chicago - Sufjan Stevens

Foto: Wolney Fernandes

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Recife, "um dia qualquer..."


  • Passamos o dia todo caminhando. Dor nos pés, mochila pesada nas costas e um cansaço acumulado no peito. Bastou só um convite - ao som do frevo e do maracatu - para que eu, sem titubear, entrasse no giro da ciranda na festa que estava rolando na praça.
  • Tínhamos acabado de atravessar a Rua dos Martyrios e paramos na esquina para fazer anotações. De repente, uma meleca destampou do céu dos pombos direto na minha calça clara. Depois disso, a tarde virou um filme de Hitchcock com pássaros conspirando e atentando contra mim.
  • A moça sentada ao meu lado no ônibus olha para a Praça do "Marco Zero", vê aquele monte de turistas fazendo fotos e dispara: "Não sei do que esse povo tira tanta foto. Não tem nada nessa porra aí". Eu me fiz de desentendido e coloquei minha carapuça de turista na mochila junto com a câmera fotográfica.
  • No balão que o vento soprou até mim, tinha a palavra "gratidão" escrita em um papelzinho dentro dele.
  • Entrei na exposição sem saber quem era Paulo Bruscky e deixei um pedaço do meu coração lá! Bem dentro de um envelope rabiscado com caneta Bic.
  • Em Recife, a Boa Viagem começa no bairro, se estende pela praia e enfeita as fachadas dos ônibus.
  • Na primeira sinagoga da América Latina uma carta terminava assim: "Nada é nosso e tudo é nosso, pois somos: UM com o TODO. Lá de onde eu estiver, mando meu carinho e agradeço termos sido amigos".
O título da postagem foi decalcado dessa mesma carta. 
A foto é minha e foi feita na praia de Boa Viagem

domingo, 18 de setembro de 2011

Sobre medos, incertezas e desatinos

Me falta coragem. E sei que se eu parasse menos para indagar meus próprios medos, eu estaria adiante. É que eles, os medos, falam uma língua embolada e me silenciam com um olhar de reprovação. Uma indelicadeza só! Por eles, sou Leão da Montanha porque plantam em mim vontades de saídas estratégicas. Pela direita ou pela esquerda, não importa! E tem mais, meus medos detestam apelidos e ameaçam pulos em cada passo que resolvo empreender.

A incerteza, essa sim, é minha parceira mais fiel. Me inspira desatinos e sussurra baixinho, com a convicção necessária, para eu continuar me movendo vida afora. Ela me beija na boca só pra deixar meus medos roxos de ciúmes. Um charme só!

Imagem capturada aqui.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Monumentos Notáveis

"Monumentos Notáveis" é uma ação motivada pelo desejo de convivência desenhada por Manoela Afonso e eu. Seu caráter colaborativo é conduzido pela experiência de uma produção artística compartilhada com pessoas de um determinado local, à partir da vontade de revelar sentidos de alguns lugares da cidade.

Quais são os elementos que marcam o cotidiano das pessoas e que merecem ser destacados? As respostas, dadas pelos/as moradores/as do local são oficializadas em uma cerimônia de inauguração com todas as pompas e honras típicas desse tipo de celebração: anúncio oficial, corte de fita, certificação, festa etc.

Inaugurar para tornar visível, para questionar e [re]configurar relações com os espaços/lugares da cidade. Inaugurar para festejar em grupo, solenizar, cercar de cuidado e de estima o que, muitas vezes, é coberto por certa invisibilidade. A Barraca de roupas da Dona Divina, o Fusca abandonado na calçada, os pastéis do "seu" Maurício (...) são presenças notáveis que imprimem identidade a determinado cotidiano e, por isso, merecem honra e mérito popular.

Para registrar estas inaugurações criamos um escritório ficcional, chamado Tabelionato de Ações Ordinárias, com livros de registro, carimbos, certificados e papeladas ligadas a uma burocracia poética. Tudo isso para oficializar desejos individuais e, a partir deles, criar opções coletivas que abram espaço para novos olhares!



Foto: Imagens da ação feita em Cezarina-GO em julho de 2011.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Rua de Dentro


O menino morava na rua que tinha um pé de Flamboyant bem no meio. As cartas cheias de vergonhas, medos e saudades ele pendurava em cada um dos galhos pintados com o fogo que a primavera trazia. Era lá que ensaiava vôos e onde tinha Venda de comprar suspiro.

Mas ele saiu daquela rua faz tempo e deixou escondida uma caixa cheia de suspiros e papéis que vão se amarelar um dia... Só que o menino continua. Nunca ele vai se mudar da rua de dentro de mim.

Imagem: Wolney Fernandes

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Árvore da Vida

Em 1991, eu voltava de um fracassado teste de datilografia, às 10 da manhã de uma quarta-feira, quando topei com minha tia no meio do caminho que, assustada, tinha ido me avisar da suposta morte do meu pai que se confirmou logo em seguida quando falei com minha irmã pelo telefone. Tudo que me lembro, além da falta de ar, era a pergunta que eu fazia internamente: "Por que Deus deixou isso acontecer?"

E é essa uma das tantas perguntas que o protagonista de "A Árvore da Vida" também faz. Com ele, pelas vias da beleza e da doçura fui conduzido às minhas reflexões internas sobre a própria natureza da vida. Os arcos da narrativa, sem a estrutura de começo-meio-fim, parecem memórias fragmentadas, dúvidas e impressões que se desgrudaram da tela para se instaurarem do lado de cá.

Embora fale, exalte e questione o sentido da vida usando muitas referências religiosas [com inteligência, diga-se de passagem], o filme não é sobre religião e, tampouco pedante a ponto de nos incitar a escolher o caminho do bem em detrimento do mal, como os preceitos dogmáticos insistem em fazer.

A história(?) mostra partes da vida de Jack, vivido por Hunter McCracken no passado e por Sean Penn no presente. Um garoto e um homem, ao mesmo tempo, atravessando ciclos muito específicos da existência. A maior parte do roteiro se concentra no período que o menino vive com os pais e dois irmãos mais novos em uma pequena cidade no interior do Texas, nos Estados Unidos.

"Pai... Mãe...vocês estão sempre lutando dentro de mim"

Deus, materializado pela figura do pai e vivido por Brad Pitt, é um sujeito cheio de regras, dogmas, que pune e ainda exige devoção e amor em troca. Me fez lembrar das aulas de catecismo quando, no auge das minhas incertezas, todos os domingos eu era questionado pela primeira pergunta do livrinho branco: "Quem é Deus?". Some a isso a pressão feita pela minha catequista que insistia em dizer que eu deveria saber a resposta e, ao mesmo tempo, temê-la por ter conhecido e experimentado tal revelação.

Em contrapartida, o filme também apresenta Deus materializado na figura da Mãe (Jessica Chastain - soberba!) como ventania que comunga com o mundo ao seu redor, que brinca com os filhos e estende as mãos para abraçá-los com o carinho e a delicadeza de um perfume bom, daqueles que embalam feito brincadeira de criança. É por ela que passamos a questionar as relações dentro de um panorama mais holístico e embarcarmos na dança da criação, habilmente orquestrada por imagens e sons que conduzem nossas próprias reflexões acerca do nosso papel no planeta.

E nesse ponto, o filme lembra "2001 - Uma Odisséia no Espaço", pois nos dá tempo e nos incita a um mergulho em nossas dúvidas, memórias e anseios: Deus existe? Quem somos nós para Ele? Como podemos conhecer as coisas sem olhar? O que existe do outro lado da vida? Qual o nosso papel dentro da dinâmica da criação?

Habilmente recriada, a origem da vida no filme se espalha de ponta a ponta, nas citações, na trilha sonora, na resolução e em metáforas tantas que fica difícil enumerá-las. Reparem, por exemplo, no formato de vagina e pênis que os primeiros seres aquáticos apresentam ou mesmo na espiral de vitrais religiosos que faz referência ao movimento do DNA.

O filme começa quando uma vida termina e seu final é marcado por um novo começo.

No início, a narrativa nos coloca diante de uma bifurcação: De um lado, o caminho da natureza - mundano - que satisfaz a si mesmo e, do outro, o caminho da graça, absoluta e universal. Ao longo do amadurecimento do menino Jack, contudo, a trama nos sugere que esses dois rumos são faces de uma mesma esfera e, portanto, complementares.

Eu até poderia afirmar, erroneamente, que quem nunca foi tocado por uma situação de morte tão próxima como a perda de um pai, uma mãe ou um irmão, talvez não se deixe envolver pela dinâmica que "A Árvore da Vida" propõe. No entanto, o filme também me trouxe à memória, um balanço feito com corda de sisal montado na sala de casa ou quando eu, com quatro anos, vi minha irmã entrar pra dentro da família carregada nos braços de minha mãe que tinha saído grávida alguns dias antes.

Aquele balanço e aquela chegada me fazem entender, agora com um pouco mais de clareza, que a vida se evidencia em instantes que ajudam a construir nossas histórias e nossas relações uns com os outros. Se a morte nos faz questionar o sentido da vida, a própria vida segue disposta a encontrar sorrisos mesmo sabendo que caminha rumo ao fim. E, isso, já é razão suficiente para que não fique ninguém sem se emocionar diante dela.

Imagem capturada aqui.

sábado, 3 de setembro de 2011

Memórias com nota de rodapé

Funciona mais ou menos assim: Mesmo quando a lembrança é ruim, minha vontade não é apagá-la. Mesmo quando dói, meu desejo é completá-la. Continuar pequenos trechos, escrever comentários, fazer desenhos ou acrescentar notas de rodapé.

Minhas lembranças parecem estar dispostas de maneira a constituir uma fresta por onde dores e alegrias entram de mãos dadas.

Imagem: Cenas do filme "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças". Achei aqui.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Estudos em Preto e Cinza

Para os dias acinzentados que antecedem a primavera e celebram a chegada de setembro.

Foto: Wolney Fernandes

terça-feira, 30 de agosto de 2011

DonAna

Desabusada
DonAna sentou na calçada para escolher os queijos.
- Quero 14! - pediu ao moço que havia oferecido as iguarias na porta da minha casa em Lagolândia. Selecionou cada um com o cuidado de quem já fabricou o produto por muito tempo e, quando questionada sobre a quantidade exagerada, respondeu:
- Pra "desabusar" o vendedor de queijos da feira lá em Goiânia! Mostrar pra ele o que é queijo de verdade!

Perna aberta
Estávamos no banco de trás do carro indo para Anápolis. Sentada no meio, entre mim e uma prima, DonAna remexia inquieta. De supetão arrancou o cinto feito com o mesmo tecido do vestido estampado e perguntou:
- Advinha o que vou fazer com isso?
Sem ter a mínima ideia desistimos de tentar advinhar e ela, enlaçando as pernas, explicou:
- Vou amarrar minhas pernas senão elas não páram quietas aqui no meio!
E seguiu tagarelando de pernas amarradas até o destino da viagem.

Caminhada
Toquei a campainha e ouvi, de dentro do apartamento, DonAna perguntar:
- Quem é?
- Sou eu, DonAna! O Wolney!
- Peraí que vou vestir uma roupa, pois estou só de calcinha fazendo caminhada pelo apartamento.

Giro
Encantada com o movimento circular que a máquina de lavar fazia, DonAna resolveu acompanhar a lavagem olhando fixamente para o giro das roupas. Acordou 5 minutos depois, ainda tonta pela movimentação que a fez desmaiar.

Dor na Coluna
A cadeira para ver televisão era de encosto reto e feita sob medida para ajudar com as dores na coluna. O problema era o cochilo que DonAna empreendia sempre que ia assistir a RedeVida. Acordava "emborcada" com o nariz entre os joelhos. Incomodada com a postura e zelando por seu sono, não teve dúvidas: amarrou uma meia calça velha na cabeça e prendeu na janela atrás da cadeira. Desse modo, a coluna ficava ereta, mesmo durante o sono diante da TV.

Maloca
DonAna chegou na porta do meu quarto e, diante da minha estante de livros e DVDs suspirou:
- Êeeeeeeeeeehhh maloca danada!

DonAna era minha tia-avó, destas que a gente perde e fica sempre com aquela vontade de ter um tempinho a mais para conviver, pois ao seu lado a vida era só alegria.

Foto: Wolney Fernandes

domingo, 28 de agosto de 2011

Mudança

Outro dia fui fazer minha mala e me senti em casa, como há tempos não acontecia. Quando não é possível mudar de casa, eu mudo de mim. Estou morando num Wolney de dois quartos agora.

Foto de Logan Cyrus.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Cantinho de guardar sentidos

Esta é minha 980ª postagem. Olho para este número e penso nas vinte que virão depois dela para que se complete mil instantes registrados aqui.

Antes, qualquer imagem, perfume ou rabisco que se alojava em mim eu guardava no blog. Agora, demoro mais para voltar neste espaço porque há outros lugares (leia-se: redes sociais) onde posso compartilhar com dois ou três cliques apenas, aquilo que me encanta cotidianamente.

Sensações diferenciadas me fazem encarar estas duas possibilidades. Na primeira, relacionada àquilo que mostro nas redes sociais, a impressão que tenho é que estou na janela do meu apartamento lançando imagens, canções, textos e pensamentos ao sabor do vento em uma rua movimentada. Umas vão... outras voltam em um movimento que se expande, mas nem sempre se aprofunda. Na segunda, aqui no blog, é como se guardasse preciosidades em uma caixinha que pode ser acessada sempre que eu desejar. Por ela, memórias são saboreadas e lembranças reativadas nesse meu cantinho de guardar sentidos.

Eu demoro porque não me obrigo a ter sempre algo para guardar. Afinal, toda obrigatoriedade acaba por tirar um pouquinho do sabor que a vida tem.

Foto: Wolney Fernandes

domingo, 14 de agosto de 2011

No fone

Motivação perfeita para uma postagem é o pedido de uma amiga para sugerir discos que eu estivesse ouvindo recentemente. Dois dias depois e aí está a lista com sete deles.

Uma banda
Bodies of Water
Disco - "Twist Again"
Faixa de bis - Like a Stranger

Uma cantora internacional
Russian Red
Disco - Fuerteventura
Faixa de bis - Everyday Everynight

Uma cantora nacional
Tiê
Disco - A Coruja e o Coração
Faixa de bis - Piscar o Olho

Um cantor
Ibrahim Ferrer
Disco - Mi Sueño
Faixa de bis - Melodia del Rio

Uma dupla
The Swell Season
Disco - Strick Joy
Faixa de bis - In These Arms

Uma trilha sonora
Half Nelson 
Faixa de bis -Can't You See

Bônus 
Cantor - Thurston Moore
Disco - Demolished Thoughts
Faixa de bis - Benediction